sexta-feira, 29 de maio de 2009

Controle dos Mandatos Políticos: Limites E Riscos

Democracia, mais que um conceito, é um processo. Por ser processo ela se estrutura em cada ordem nacional de forma específica, consoante a história e os costumes de cada ordem nacional. Claro, sempre sob a inspiração de uma idéia genérica de “governo do povo”, e que há de encontrar em cada cultura sua própria interpretação.

Por ser processo, não é incomum que se confunda o que é essência com o que é circunstância, levando-nos ao tortuoso caminho da ditadura dos fatos e ‘as amarras do senso comum.

Especificamente no que se refere ao problema do controle político dos mandatos, parece-me necessária a ênfase num estrutural aspecto da lógica democrática: A democracia não é, e nem pode ser, a garantia de que os melhores governarão. A democracia é a garantia de que se os mesmos não forem bons, ou, se não forem do agrado da massa de eleitores, não serão reconduzidos aos seus mandatos. Em outras palavras: ALTERNÂNCIA DE PODER.

A natureza contratual civil a que se procura aproximar os mandatos políticos, talvez devesse também ser apreciada sob a ótica das ditaduras de maioria, tão generosamente confundidas com democracia ao longo da história.

Os mecanismos de retirada do mandato antes de seu término, existentes nos países democráticos, têm mais popularidade na literatura jurídica do que uso prático. Quando houve o registro de um “recall” ocorrido nos Estados Unidos? Quantos ocorreram? Em que circunstâncias? Estou certo que sua popularização levaria á insegurança política e a lesões à democracia.

No dia em que impusermos ao regime democrático a instabilidade e insegurança política dos mandatos conferidos nas urnas, estaremos dando à democracia um aviso prévio. Esses controles têm sido muito comuns em regimes autoritários que posam de democracia para fazer fachada “a opinião pública”.

Hoje, governantes comumente agem ouvindo primeiro os institutos de pesquisa. O tal controle político dos mandatos levaria demagogos de todos os matizes ideológicos a evitar medidas muitas vezes impopulares, porém necessárias. Governar não é o mesmo que comparecer a um baile de quinze anos. Sangue, suor e lágrimas podem ser inevitáveis. Correríamos o risco de tornar o regime democrático uma tirania das pesquisas de opinião.

- Daniel Homem de Carvalho é professor de Direito Constitucional da Universidade Candido Mendes e advogado.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Flexibilização da Legislação Trabalhista e o Terceiro Setor

Sem dúvida, o desemprego é um dos maiores problemas que o mundo moderno enfrenta, seja em função dos avanços tecnológicos que geram efeitos diretos nos postos de trabalho, seja pela incapacidade econômica regional, ocasionada, em alguns casos, por conflitos armados internos, governos ditatoriais, ou até mesmo em razão do aparente irreversível processo de globalização pelo qual tramitamos recentemente.
No Brasil, a discussão sobre o tema alcança maior destaque em período eleitoral, no qual assistimos inúmeras promessas voltadas tanto para a parcela economicamente ativa da população, maioria dos eleitores brasileiros, como para a própria iniciativa privada, responsável direta pela absorção da mão-de-obra cada vez mais crescente no País.
No entanto, um fator que reputo ser um dos principais colaboradores para o alto índice de desemprego que acomete o Brasil nos dias de hoje é a existência de uma legislação trabalhista rígida que, em vigor desde 1943, proporciona um alto custo não salarial que deve ser observado pelas empresas, representando na boa parte dos casos quase 100% (cem por cento) do salário nominal pago ao trabalhador.
Vale lembrar aqui a legitimidade desse instrumento legal que se constituiu numa grande conquista do povo trabalhador. O que se traz ‘a baila, entretanto, é a alteração dos paradigmas do emprego nesse início de milênio. A função do Direito é acompanhar as mudanças sociais de forma a responder a essas transformações.
Neste cenário nebuloso, e diante da imperiosa necessidade de maior participação da iniciativa privada no combate às mazelas do mundo moderno, tais como a pobreza, violência, deterioração do meio ambiente, além da busca do desenvolvimento sustentável, surge o fenômeno chamado Terceiro Setor. Este compreende as entidades privadas sem fins lucrativos que atuam, na maioria das vezes, em parceria com a Administração Direta e Indireta (Primeiro Setor), tornando as ações públicas cada vez mais eficazes, sempre com base na política de descentralização esculpida em nossa Constituição Federal de 1988.
O Terceiro Setor no Brasil já é responsável por cerca de 2 milhões de empregos, divididos entre as Fundações, Associações, ONG´S, Institutos, entre outras entidades sem fins lucrativos, que têm como objetivo precípuo contribuir para o aprimoramento da vida em sociedade nos seus mais diversos aspectos.
Porém, como em quase todo setor privado, estas entidades também sofrem os efeitos diretos de uma legislação trabalhista que, ao que parece, não vem acompanhando as mudanças sofridas no contexto financeiro-econômico do País (o que atualmente poderia impulsionar o crescimento dos empregos formais) e, particularmente, não disponibiliza tratamento diferenciado a quem atua somente visando o interesse coletivo.
Não é razoável que o Terceiro Setor tenha que se submeter ao mesmo rigor da legislação patronal aplicado aos legítimos destinatários da norma jurídica sob comento – qual seja – as empresas (Segundo Setor), pois, mesmo considerando a função social da empresa e seus empregos, parece-me nítida a violação do Princípio Constitucional da Isonomia. No entanto, o mesmo exemplarmente não ocorre no campo tributário, onde são concedidas isenções fiscais às entidades enquadradas na Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP ( n.º 9.790/98), bem como àquelas consideradas de Utilidade Pública no âmbito Municipal, Estadual e Federal.
Ao perdurar esta situação de inflexibilidade o resultado poderá ser desastroso, pois, além de desestimular o surgimento e manutenção destas entidades que hoje representam mais de 200 mil instituições em todo País, o Estado deixará de contar com o apoio de parceiros que fomentam a execução de atividades sociais sempre em busca do interesse comum. Flexibilidade Já!

DA NÃO-REPÚBLICA, DOS NÃO-REPUBLICANOS E DOS SEM-REPÚBLICA

“ Apenas no homem se pode observar, em toda sua perfeição, essa conjunção antinatural de fragilidade e necessidade.”

David Hume ( Tratado da Natureza Humana)

Os conceitos têm sua importância ditada pelas circunstâncias históricas. Certamente se um cidadão, há 150 anos atrás, subisse num banco de praça no Centro do Rio de Janeiro e gritasse a palavra REPÚBLICA, provocaria as reações mais apaixonadas. Hoje esse ato causaria, no máximo, uma certa desconfiança quanto ‘a sanidade do orador.
A crise política que o Brasil atravessa trouxe o conceito de república novamente `a baila. Quais seriam as conversas republicanas e não republicanas mantidas entre então próceres da política nacional? Em que sentido a expressão “republicana” foi utilizada naquele contexto?
Duas, pelo menos, podem ser as concepções de República para a teoria do Estado: Na classificação das formas de Estado, República se opõe à monarquia, na medida em que nesta o poder se exerce e se sucede através de vínculos hereditários e naquela o poder é entregue a uma pessoa ou uma assembléia eleita, com a intervenção direta ou indireta da soberania popular. Nessa linha poderíamos dizer que República se aproximaria do conceito de Democracia - sem nos esquecermos que as modernas monarquias européias também se constituem em democracias.
Se formos buscar na tradição romana, encontraremos a expressão res publica que enfatiza a idéia de coisa pública, coisa do povo ou coisa de todos, aquilo que pertence à comunidade e não a alguém em particular. Cícero foi quem definiu de forma mais clara essa idéia de República que se contrapunha ao governo injusto.
As revoluções democráticas consolidaram a idéia republicana, seja reforçando a concepção ciceroniana de res publica com a condenação à apropriação do que é de todos por parte de alguns, seja estabelecendo as bases para o exercício da soberania. Nesse aspecto deve ser ressaltado que nas duas grandes revoluções democráticas modernas, a francesa e a americana, há uma distinção quanto ao locus do exercício dessa soberania. Os franceses buscaram definir seu exercício em termos da soberania popular, enquanto os americanos, ao moldarem um estado federal, enfatizaram na vontade dos entes federativos essa soberania.
Coisa pública, bem comum, soberania, democracia, igualdade, alternância de poder e justiça são alguns dos conceitos que não podem ser dissociados da idéia republicana.
O Brasil sempre prestigiou, pelo menos formalmente, essas idéias, sem no entanto implementá-las de fato. Nosso histórico de poder oligárquico, nossa ausência de democracia política e econômica, nossa recorrente injustiça social sempre caminharam de braço com uma retórica jurídico-política de democracia e igualdade.
Recentemente a Ordem dos Advogados do Brasil promoveu sua conferência nacional em que o tema da República era o centro das discussões. Dentro de um ambiente predominantemente jurídico, chamou a atenção dos advogados de todo o Brasil a palestra do Professor alemão Friederich Muller, que ao analisar as contradições de nossa tradição “republicana” invocou a obra de Darcy Ribeiro e sua denúncia iracunda da exclusão a que boa parte de nossa população é historicamente submetida. Nossa tradição não-republicana foi amplamente ressaltada nesse congresso!
Pois bem, se a Constituição Federal consagra o princípio republicano em seu texto, longo é o caminho até alcançarmos os ideais republicanos, sejam eles os que Cícero se referiu na Roma antiga, sejam os que invocam o exercício de uma verdadeira soberania popular e federativa.
Na história de nossa “não- república”, conversas não-republicanas são apenas um ato a mais numa interminável peça que resiste `as mudanças de elenco e de cenário, e cuja platéia infelizmente, já não reage, assistindo a tudo, ora perplexa ora entediada.

Daniel Homem de Carvalho

Controle da Atuação dos Agentes Políticos. Vilmar Luiz Graça Gonçalves

Há quem diga que o Brasil é um país tradicionalmente corrupto, pois, conforme dados históricos coletados desde os tempos de colônia, as fraudes eleitorais e a defesa árdua pela manutenção de interesses minoritários são marcas presentes no desenvolvimento político nacional. Não foi à toa que logo após a volta da democracia, em 1985, o país tenha passado por sucessivos escândalos nas mais diversas esferas institucionais.
Como exemplos mais recentes destacam-se o impeachment de um Presidente da República com menos de dois anos de mandato, a famosa “Máfia dos Anões do Orçamento”, a suposta utilização de laranjas pelo Presidente do Senado Federal na compra de rádios no Estado de Alagoas, tudo isso recheado por “mensalão” e “sanguessuga”.
Assim, a matéria publicada pela revista Veja, no dia 25 de Abril deste ano, produz eco quando expressa com exatidão o sentimento que inunda boa parte dos mais de 120 milhões de eleitores brasileiros[1], pois, como dito, “a sucessão de escândalos de corrupção no Brasil costuma provocar nos cidadãos a impressão de que o país não tem jeito (...) como se a desonestidade fosse parte inextirpável do caráter nacional”.
É óbvio, infelizmente, que as violações aos legítimos interesses públicos não são privilégios somente dos Agentes Políticos, eleitos democraticamente pela manifestação soberana popular através do voto secreto e nominal em lista aberta. No Brasil, a sensação de impunidade encoraja inclusive os demais Agentes Públicos, que passam a ser movidos pela certeza de que se manterão imunes enquanto avocam para si patrimônio do erário.
No Estado de Direito idealizado pelas mentes iluminadas de Locke e Montesquieu, nos séculos XVII e XVIII, este último na sua consagrada obra “O Espírito das Leis”, surge a fase embrionária da concepção que conhecemos hoje como Controle Político, sendo aquele que tem por base a necessidade de se manter um equilíbrio entre os Poderes estruturais do Estado de Direito – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Neste controle, portanto, se estabelece a relação de freios e contrapesos, onde se busca evitar a relação de superioridade entre os Poderes, embora em alguns momentos da história brasileira, como o atual, a perda de legitimidade de um Poder acabou favorecendo uma maior intervenção do outro, como no caso do recente julgado do Supremo Tribunal Federal envolvendo o troca-troca de partidos políticos.
Como fruto do desenvolvimento da teoria da Separação dos Poderes, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 2º a harmonia e independência entre os Poderes, além de outros dispositivos que simbolizam o controle estritamente político que deve ser exercido pelos órgãos que desempenham função política, tal como ocorre no veto presidencial (art. 84, V) e a convocação de Ministros de Estado para prestar esclarecimento a qualquer das casas do Congresso Nacional (art. 50).
No entanto, além do Controle Político exercido por um Poder sobre o outro, a Constituição Federal garante outros mecanismos de vigilância sobre a gestão pública, onde se destaca a Ação Popular, tida como garantia e direito fundamental do cidadão (art. 5º, LXXIII) e a Ação Civil Pública por Atos de Improbidade Administrativa (art. 37, §4º), sem contar as condutas tipificadas no Código Penal em seu Título XI, que trata dos crimes praticados com a Administração Pública.
Sem pretender mensurar aqui os efeitos esperados com a colocação em prática destas medidas, dentro do sistema democrático representativo que vigora no Brasil, tem-se que a Ação Popular simboliza com mais exatidão o controle soberano do cidadão na vida comunitária e representa um modo de integração entre a sociedade e o Estado.
Ao permitir que qualquer cidadão utilize este mecanismo de coerção, na verdade, a Constituição Federal reconhece o direito subjetivo que todos têm de exigir uma atuação dos Agentes Políticos pautada na eficiência e, sobretudo, na confiança de quem outorgou os poderes de mandatário. Ocorre que, por diversos fatores, tais como desconhecimento ou descrença, esta ferramenta não é utilizada pelo cidadão da forma como se pretendeu na Reforma Constitucional de 1988.
A frustração ganha contornos de tragédia quando nos deparamos com as estatísticas da “impunidade”: até hoje o Supremo Tribunal Federal, como foro privilegiado, não condenou nenhum Agente Político suspeito de ter praticado crime contra a Administração Pública[2]. Sendo assim, diante deste cenário tenebroso, onde os Controles Político e Popular não funcionam a contento, gerando incentivo na repetição dos “desvios de conduta”, se torna notável a necessidade de criação, ou importação, de mecanismos que coíbam, principalmente, os Agentes Políticos de praticarem atos que prejudiquem o interesse público e envergonhem ainda mais a já estarrecida sociedade brasileira.
Além disso, não há nada expresso na legislação eleitoral que obrigue o Agente Político a cumprir as promessas que fez ao longo do período das eleições e que, de alguma forma, o impulsionaram ao êxito. Sabe-se que a relação entre eleito e eleitor não tem natureza jurídica contratual, muito embora o discurso político dê a impressão de que a proximidade de ambos se faz presente.
O Agente Político, segundo as regras de Direito Constitucional, não possui responsabilidade pela prática de atos distorcidos do discurso de palanque, ou ainda, pela adoção de medida equivocada na solução de determinado problema. Ou seja, reina a “Teoria da Irresponsabilidade Política”, uma vez que não há qualquer modalidade de controle incidente sobre a “escolha” feita no exercício de mandato eleitoral ou na falta daquela obra prometida no curso das eleições.
Não se trata aqui, por exemplo, dos casos de Quebra de Decoro Parlamentar ou Impecheament, pois nestes há fatos apurados e hipóteses de incidência previstas no Regimento Interno de cada órgão do Poder, mas tão somente ao argumento pueril de que nada obriga o Agente Político a seguir aquilo que expôs como “programa de governo”, ou ainda, a manter o comprometimento no exercício da função.
Além disso, um fato que se torna perturbador atualmente é a paulatina perda de legitimidade dos Agentes Políticos e, consequentemente, de suas decisões, que passam a contar com o revestimento da dúvida. Diante da ausência de inibição dos Agentes Públicos em relação aos mecanismos de controle existentes, que acaba gerando a incerteza das intenções que motivaram sua atuação, faz-se imperioso introduzir um mecanismo jurídico que permita o eleitor manifestar sua reprovação antes do término do mandato eleitoral, medida que representaria o mais fiel cumprimento do papel de fiscal da atuação política.
Diferenciar o bom homem público do mau não é uma tarefa simples, haja vista a atenção que o tema toma dos diversos estudiosos e pensadores políticos ao longo dos anos. Sabe-se, porém, que junto com o governante que se elege pela vontade popular vem a necessidade deste implantar uma base ética que possa sustentar o exercício de suas funções. Afinal, indaga-se, como um governante poderá se manter sendo continuamente sujeito à desconfiança da parte de quem o elegeu?
Neste sentido, ao abordar os aspectos que influenciam as repetidas notícias de atos imorais praticados, sobretudo, por Agentes Políticos contra os interesses dos eleitores, se torna imperioso analisar a perda de legitimidade que os órgãos por eles representados sofrem e, notadamente, o enfraquecimento da concepção de Estado de Direito. Ora, sabe-se que legitimidade é uma expressão categoricamente valorativa, que traduz com alguma exatidão o consenso de que o poder por ela influenciado é considerado justo, merecedor de aceitação.
Apenas para enriquecer o debate, rogo a tenção dos leitores para as recentes consultas populares (referendos) ocorridas na América Latina, especificamente na Venezuela e Bolívia. Percebe-se em ambos os casos que a vocação de permanência no poder ainda é forte, principalmente em países que se destacam pela manipulação da massa eleitoral, através de políticas assistencialistas, propagandas, falta de informação ou puro temor. Desta forma, a idéia de manutenção de Poder coloca em dúvida o alcance da legitimidade esperada daquele que ocupa uma função política com base num sistema dito democrático.
Sendo assim, considero como sendo prioritário para os estudiosos desta época delinear argumentos jurídicos e doutrinários que absorvam a idéia de que para a manutenção da legitimidade do Estado de Direito, composto por representantes do povo, se faz necessária uma maior amplitude da fiscalização que deve ser efetivado pelos destinatários da atuação do Agente Político. É indubitável que a questão permeará o sistema da democracia representativa, tema central da Teoria Geral do Estado, além de um estudo do sistema eleitoral e o papel desempenhado pelos partidos políticos.
Pretende-se trazer à baila, a priori, a necessidade de implantação do projeto de controle popular denominado recall, de origem norte-americana, onde se faria um plebiscito revocatório pelo qual os eleitores poderiam, em tese, "destituir" um Agente Político que haja perdido sua confiança.
Não se perde de vista, entretanto, a busca pelos fatores que contribuem para a ineficiência dos mecanismos de controle atualmente existentes, principalmente em relação à Ação Popular, e o possível desconhecimento das demais possibilidades que estão ao alcance da sociedade civil, como o Ministério Público e o Direito de Petição (art. 5º, XXXIII CRFB/88).
Como já dito anteriormente, diante do sentimento de impunidade que inunda os olhos de quem acompanha quase que rotineiramente os seguidos desatinos políticos, aliada a frustração do cidadão que vê se equivocadamente incapaz de contribuir para a reversão desta realidade, passa a ter importância vital para a manutenção dos alicerces estremecidos do Estado Democrático de Direito o papel fiscalizar do eleitor.
Neste sentido, há que se buscar no ordenamento jurídico mecanismos de controle que poderão servir de remédio contra os males injetados na sociedade pelos inegáveis “desvios de conduta”. Portanto, a idéia é criar mais um elemento de pressão sobre os políticos. É necessário difundir, principalmente ao cidadão comum, de que é imprescindível o acompanhamento do desempenho dos agentes públicos, ou seja, exercer uma vigilância sobre as promessas feitas ao longo das campanhas eleitorais.
Parte da construção teórica que se deve fazer para alcançar este objetivo já encontra esteio no Direito Comparado e, inclusive, vem ganhando força na doutrina nacional. A novidade, todavia, se encontra na abordagem de que estas medidas de controle podem se justificar dentro da relação de confiança que se estabelece entre o eleitor e o candidato eleito.
É indene de dúvidas que é possível coibir a prática de qualquer ato lesivo ao patrimônio público, ou contra a moralidade, e tantos outros valores éticos, notadamente, quando se tem a certeza de que o Agente Político poderá perder o mandato. De outro modo, espera-se que, com a maturidade democrática alcançada até este momento no Brasil, o mecanismo de controle popular aqui referido não se torne uma ameaça à segurança jurídica que deve permear as funções do Estado, sendo utilizado como manobra política comparada, guardada as respectivas proporções, a um verdadeiro “Golpe de Estado”.
[1] Informação extraída do site do Tribunal Superior Eleitoral: www.tse.gov.br
[2] Total de 130 processos apresentados. Informação divulgada no Jornal Nacional do dia 05 de Julho de 2007

Comentários ao texto do Dr Vilmar Gonçalves:" Controle da Atuação dos Agentes Políticos"

Democracia, mais que um conceito, é um processo. Por ser processo ela se estrutura em cada ordem nacional de forma específica, consoante a história e os costumes de cada ordem nacional. Claro, sempre sob a inspiração de uma idéia genérica de “governo do povo”, e que há de encontrar em cada cultura sua própria interpretação.
Por ser processo, não é incomum que se confunda o que é essência com o que é circunstância, levando-nos ao tortuoso caminho da ditadura dos fatos e ‘as amarras do senso comum.
Especificamente no que se refere ao problema do controle político dos mandatos, parece-me necessária a ênfase num estrutural aspecto da lógica democrática: A democracia não é, e nem pode ser, a garantia de que os melhores governarão. A democracia é a garantia de que se os mesmos não forem bons, ou, se não forem do agrado da massa de eleitores, não serão reconduzidos aos seus mandatos. Em outras palavras: ALTERNÂNCIA DE PODER.
A natureza contratual civil a que se procura aproximar os mandatos políticos, talvez devesse também ser apreciada sob a ótica das ditaduras de maioria, tão generosamente confundidas com democracia ao longo da história. Os mecanismos de retirada do mandato antes de seu término, existentes nos países democráticos têm mais popularidade na literatura jurídica do que uso prático. Quando houve o registro de um “ recall” ocorrido nos Estados Unidos? Quantos ocorreram? Em que circunstâncias? Estou certo que sua popularização levaria á insegurança política e a lesões à democracia.
No dia em que impusermos ao regime democrático a instabilidade e insegurança política dos mandatos conferidos nas urnas, estaremos dando à democracia um aviso prévio. Esses controles têm sido muito comuns em regimes autoritários que posam de democracia para fazer fachada ‘a opinião pública internacional.
Hoje, governantes comumente agem ouvindo primeiro os institutos de pesquisa. O tal controle político dos mandatos levaria demagogos de todos os matizes ideológicos a evitar medidas muitas vezes impopulares, porém necessárias. Governar não é o mesmo que comparecer a um baile de quinze anos. Sangue, suor e lágrimas podem ser inevitáveis. Correríamos o risco de tornar o regime democrático uma tirania das pesquisas de opinião.

Daniel Homem de Carvalho é professor de Direito Constitucional da Universidade Candido Mendes e advogado.