quinta-feira, 7 de maio de 2009

DA NÃO-REPÚBLICA, DOS NÃO-REPUBLICANOS E DOS SEM-REPÚBLICA

“ Apenas no homem se pode observar, em toda sua perfeição, essa conjunção antinatural de fragilidade e necessidade.”

David Hume ( Tratado da Natureza Humana)

Os conceitos têm sua importância ditada pelas circunstâncias históricas. Certamente se um cidadão, há 150 anos atrás, subisse num banco de praça no Centro do Rio de Janeiro e gritasse a palavra REPÚBLICA, provocaria as reações mais apaixonadas. Hoje esse ato causaria, no máximo, uma certa desconfiança quanto ‘a sanidade do orador.
A crise política que o Brasil atravessa trouxe o conceito de república novamente `a baila. Quais seriam as conversas republicanas e não republicanas mantidas entre então próceres da política nacional? Em que sentido a expressão “republicana” foi utilizada naquele contexto?
Duas, pelo menos, podem ser as concepções de República para a teoria do Estado: Na classificação das formas de Estado, República se opõe à monarquia, na medida em que nesta o poder se exerce e se sucede através de vínculos hereditários e naquela o poder é entregue a uma pessoa ou uma assembléia eleita, com a intervenção direta ou indireta da soberania popular. Nessa linha poderíamos dizer que República se aproximaria do conceito de Democracia - sem nos esquecermos que as modernas monarquias européias também se constituem em democracias.
Se formos buscar na tradição romana, encontraremos a expressão res publica que enfatiza a idéia de coisa pública, coisa do povo ou coisa de todos, aquilo que pertence à comunidade e não a alguém em particular. Cícero foi quem definiu de forma mais clara essa idéia de República que se contrapunha ao governo injusto.
As revoluções democráticas consolidaram a idéia republicana, seja reforçando a concepção ciceroniana de res publica com a condenação à apropriação do que é de todos por parte de alguns, seja estabelecendo as bases para o exercício da soberania. Nesse aspecto deve ser ressaltado que nas duas grandes revoluções democráticas modernas, a francesa e a americana, há uma distinção quanto ao locus do exercício dessa soberania. Os franceses buscaram definir seu exercício em termos da soberania popular, enquanto os americanos, ao moldarem um estado federal, enfatizaram na vontade dos entes federativos essa soberania.
Coisa pública, bem comum, soberania, democracia, igualdade, alternância de poder e justiça são alguns dos conceitos que não podem ser dissociados da idéia republicana.
O Brasil sempre prestigiou, pelo menos formalmente, essas idéias, sem no entanto implementá-las de fato. Nosso histórico de poder oligárquico, nossa ausência de democracia política e econômica, nossa recorrente injustiça social sempre caminharam de braço com uma retórica jurídico-política de democracia e igualdade.
Recentemente a Ordem dos Advogados do Brasil promoveu sua conferência nacional em que o tema da República era o centro das discussões. Dentro de um ambiente predominantemente jurídico, chamou a atenção dos advogados de todo o Brasil a palestra do Professor alemão Friederich Muller, que ao analisar as contradições de nossa tradição “republicana” invocou a obra de Darcy Ribeiro e sua denúncia iracunda da exclusão a que boa parte de nossa população é historicamente submetida. Nossa tradição não-republicana foi amplamente ressaltada nesse congresso!
Pois bem, se a Constituição Federal consagra o princípio republicano em seu texto, longo é o caminho até alcançarmos os ideais republicanos, sejam eles os que Cícero se referiu na Roma antiga, sejam os que invocam o exercício de uma verdadeira soberania popular e federativa.
Na história de nossa “não- república”, conversas não-republicanas são apenas um ato a mais numa interminável peça que resiste `as mudanças de elenco e de cenário, e cuja platéia infelizmente, já não reage, assistindo a tudo, ora perplexa ora entediada.

Daniel Homem de Carvalho

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